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Crónicas da Valéria - Fevereiro 2018

 crnica valria Fevereiro 2018 Imagem

 

Em comparação com o mês passado, estes 28 últimos dias passaram nem sequer a correr, mas até talvez de comboio. Ainda ontem, durante o almoço no qual me limitei a olhar para a parede de azulejos brancos e vazios da minha cozinha, enquanto comia a minha sandes com pressa de ir trabalhar, apercebi-me de que . . . faltam apenas, por alto, 3 meses para acabar mais um ano letivo? COMO ASSIM? Como assim já lá foram 6 meses desde que a escola começou em Setembro, como assim já lá vão 6 meses desde que entrei na escola, mais uma vez, após as férias de verão? Realmente, quando não o contamos, o tempo parece passar ainda mais depressa.
No meio disto tudo, encontrei-me fechada no meu quarto, num domingo, a procrastinar o estudo para um teste que tinha no dia a seguir. Na verdade, já todos passámos por isso, nem vou fingir o contrário. Pegava na caneta para escrever e, como de propósito, dava-me assim um surto de fome espontânea que me obrigava a ir de novo e de novo, e de novo até à despensa, abrindo a porta, vez após vez, na esperança de encontrar algo novo sempre que voltava a fazer a mesma viagem Quarto-Despensa-Quarto. Assim que chegava e me sentava à secretária para fazer resumos de matéria, tinha de me levantar outra vez, ou porque decidia tomar um duche ou porque o programa da televisão que estava ligada como “som de fundo” parecia muito mais atrativo que 4 páginas de exercícios sobre a Revolução Francesa. Isto e aquilo, para frente e para trás, bem que não acabei sentada no chão, decidida a arrumar e reorganizar TODAS as minhas gavetas e armários nos quais eu já não tocava há pelo menos uns 3 anos. Armada de 3 sacos do lixo e um pano para limpar o pó, ignorei completamente a figura de Napoleão Bonaparte na capa do manual, que me fitava com olhos de desdenho lá de cima da minha secretária… e pus-me ao trabalho.
1 hora e toneladas de tralha depois, avançava para a última gaveta; aquela que retinha jornais e livros antigos, papelada (maioritariamente inútil!) e algumas velhas fotografias dos tempos em que eu ainda não sabia sequer o que uma crónica era. E, qual não foi a minha cara quando mesmo lá do fundo retirei um livro vermelho, de capa dura e umas camadas de pó que já só diziam que este deveria ter, no mínimo, uns 30 anos de idade. Sentei-me em cima da minha cama e agarrei nos óculos. Cuidadosamente voltei a abrir o livro, que mais parecia uma enciclopédia só pelo quão pesado era, para encontrar, por entre as páginas gastas e descoloridas. . . .
Selos?
Selos de cartas, atrás de selos, atrás de selos e mais selos. Eram, no mínimo, uns 200. Eram selos coloridos, antiquados, e cuidadosamente ordenados por fileiras de acordo com o tipo de padrões que apresentavam, bem como o seu ano de criação e país. Encontrei de selos cubanos, a selos Mongóis e Vietnameses, por entre vários também da União Soviética, todos datados a pelo menos, 40 anos atrás. Achei, no mínimo, estranho. Nunca vi a minha família como colecionadora, muito menos de objetos aparentemente tão triviais, mas na verdade tão bonitos e delicados, que até o mais suave toque pode destruir. Eram objetos tão pequenos, mas que alimentariam os olhos de qualquer um. Por entre páginas e páginas de chancelas velhas, perdi por volta de 30 minutos, durante os quais limitava-me a apreciar os desenhos das flores, dos pardais, dos jaguares, dos canhões, e dos emblemas da USSR. Pode parecer algo insignificante, mas esta terá sido a descoberta que mais marcou o meu mês de fevereiro, no ano de 2018.
Sinceramente, nem consigo (pelo menos na minha opinião), descrever exatamente, ou pelo menos de uma maneira coesa, o porquê. Talvez seja o contacto com algo de um tempo tão distante, que quase nos faz experienciar o passado à flor da pele, mesmo que nunca o tenhamos, de facto, vivido. É estranho. Sinto alguma falta de palavras no meu vocabulário para descrever a sensação de inexplicável felicidade que me encheu o peito quando pude tocar numa relíquia, se assim o posso chamar. E pensar que, potencialmente num futuro próximo, a poderei deixar para os que vierem depois de mim. E, quem sabe, talvez esse alguém o transmita a outro alguém depois de si, e assim em diante. Talvez esse sentimento de inclusão na cadeia me faça sentir como “alguém”. Alguém que já viu estes selos, e que permitiu que esses fossem um dia vistos por outrem. A ideia de poder criar, ou pelo menos fazer parte da criação de um potencial conhecimento no futuro, sempre foi algo que me fascinou. Como aluna de história, acho incrível podermos estudar as civilizações antigas pelos vestígios que estas nos teriam deixado, mesmo sem se aperceber de tal, na maior parte dos casos pelo menos.
Em 300 anos, seremos nós, essas mesmas civilizações antigas. Não o posso prever, nem afirmar com precisão, contudo deixo a minha pequena humildade falar por si mesma e dizer que, um dia, seremos nós os objetos de estudo dos cientistas e historiadores do futuro, que se empenharão em estudar os nossos artefactos e vestígios que deixamos para trás, mesmo na forma das mais pequenas e delicadas coisas como selos de papel ou notas antigas.
Dito isto, pensem nesta realidade. Interiorizem o facto de que as vivências que tomamos hoje por garantidas e já, para nós, sem algum valor, serão um dia reacesas. (esperemos que sim, pelo menos) Preocupem-se em viver, mas em viver com significado, e criar história. Criem e desenvolvam as vossas paixões, por mais banais que as achem ser. Essas paixões poderão um dia, porventura, ser transformadas em obras de artes, imortalizadas no tempo ou até expostas numa vitrine de um museu. Penso que a felicidade que senti, quando achei aquele mesmo livro de capa vermelha, pode ser agora explicada pela simples comparação desse, com este mesmo texto que escrevo. Ambiciono para que, um dia, um adolescente se sente para arrumar o seu quarto e encontre esta mesma página, com esta exata crónica intitulada de “Fevereiro 2018”, gasta por entre tralha e poeira, e sinta o mesmo que eu senti, no dia em que preferi ignorar o manual de História pelo ato de descobrir e criar, eventualmente, história.
Texto de Valéria Tabacaru – 11ºC
 
Coordenação e revisão de texto – prof. Fernando Ildefonso

Sobre o autor

Helena Vieira é professora de Matemática, do Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Secundária Gil Eanes. É fundadora e coordenadora do 'Notícias do Gil' desde que o criou, em 2008. Leia Mais sobre o autor >>>

 

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